24 julho 2017

DÉJÀ VU

O barulho da chuva era como se fosse uma canção de ninar. Até o estrondo dos trovões era suave e deixava mais aconchegante o abraço na mulher amada, feito conchinha, com seus longos cabelos negros embaraçados na minha alma. Uma noite tranquila, onde os murmúrios eram prenúncio de carinho e amor sem fim, mordendo aquela pele morena e os lábios com gosto de mel. No rádio da cabeceira da cama estava tocando a mesma música do primeiro baile, quando nos conhecemos e trememos quando dançamos. No teto do quarto estava caindo pétalas de rosas vermelhas, tão macias quando a pele da mulher de olhos de ébano que dormia debruçada em meu peito. A madrugada foi serena, calma e branda como o cessar da chuva, trazendo o nascer do dia com o sol brilhando e iluminando o quarto ainda com marcas de amor. A casa toda ficou tomada e perfumada com o aroma do café que vinha da parte baixa, na cozinha, onde minha mãe preparava cuidadosamente o café da manhã, enquanto meu pai, ansioso, aguardava a primeira xícara, como sempre fez. Em suas mãos o jornal do dia, onde ele lia e criticava as questões políticas e as notícias de seu time de futebol! - Ei filho! Vem ver o sol! Para meu pai o sol era a prova da vida, de que Deus existia e ele o glorificava todas as manhãs para agradecer pela vida, pela oportunidade de abraçar e beijar minha mãe novamente e todos a quem ele sempre amou. Na sala de estar, sobre a mesa de jantar, ficavam as rosas que meu pai colhia no jardim, ainda molhadas pelo orvalho da madrugada e sem espinhos, pois a nossas vidas de luz não podiam ter espinhos, pois as sementes lançadas no chão fértil sempre produziram frutos com amor, paz, serenidade, bondade e caridade, como ensinou o Semeador. Os animais corriam de um lado para outro numa felicidade incrível e os passarinhos cantavam alegremente como se estivessem declamando versos emanados pela natureza que Deus criou. - Bênção pai, sua bênção minha mãe querida! O Semeador me ensinou a cultivar a terra, não deixar o amor crescer entre pedras e espinhos e dar valor às coisas que as vezes parecem simples, corriqueiras, mas sentiremos falta, se o tempo passar depressa demais e não nos desfrutarmos de cada momento onde o amor fica cravado em nossas almas e estampa o brilho em nosso olhar. Os olhos são espelhos da alma. - Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu vai estar sempre comigo. Sobre a proteção dos meus pais eu me via correndo de uma seringueira até o pé de bananeira, para balançar pra lá e pra cá enquanto meu pai empurrava o balanço e se preocupava para eu não cair. Na hora do almoço eu corria até a horta ao lado da minha mãe para ajudá-la a colher as folhas para o almoço. Eu sinto o cheiro dos almoços todos os dias da minha vida. O bife temperado com pimenta do reino e cebolas fritas, o gosto de bacon no feijão, na panela de pressão, e do gosto de alho no arroz branco como a neve. E ao descansar, após o almoço, vejo o filme com meu pai que se confunde comigo, tirando um cochilo no sofá da sala, recompensado, e minha mãe tirando a mesa e cantando sua música preferida, a mesma que sempre choro ao recordar. Mas e o amor? As pétalas de rosas... A música predileta? Quanto ao amor, o amor sentimentalidade, vivo ainda procurando-o no passado, sem o encontrar. Os jantares à luz de velas, as juras de amor e os abraços ficaram perdidos no tempo, nos devaneios, nas alucinações e desilusões. Ainda bem que dei valor a todos os detalhes, não gravei os momentos no álbum de fotografias, mas sim na minha memória, forte, tão viva, revivida ao recordar com amor e saudade meu pai e minha mãe... Vê-los a todo o momento como um Déjà Vu. A chuva caiu novamente, em várias noites, em vários dias, em vários momentos da minha vida. O quarto sempre esteve escuro, a música foi uma ideia da minha imaginação, assim como a chuva de pétalas de rosas que acabaram como enxurrada de desilusão em minha existência. A mulher, o amor da minha vida, nem sei se existiu ou se teve os cabelos longos, entrelaçados em minha alma e não tenho certeza que seus olhos eram mesmo de ébano. Acredito sim que o amor que sempre sonhei foi um lirismo poético, uma fantasia, uma alucinação de um amor que eu nunca tive.
TRECHO DO LIVRO