Os alunos sempre
ficavam perfilados no pátio e ouviam o hino nacional antes que subissem para a
sala de aula. Depois, os inspetores conferiam na fila se todos estavam com os
uniformes devidamente alinhados, limpos, sapatos engraxados, cabelos penteados
e devidamente aparados. Evidente que existia certo rigor excessivo, mas servia
para complementar a educação que recebíamos de nossos pais. Para complementar o
rigor, os meninos ficavam bem longe das meninas, mas mesmo de longe eu
conseguia ver a beleza de Elizabeth, para mim, a menina mais linda do Grupo Escolar. Quando terminávamos
de cantar o hino nacional, os meninos e meninas, perfilados, se dirigiam para a
sala de aula e sempre, num dado instante, a fila dos meninos se encontrava com
a fila das meninas. Como eu era um dos mais altos, ficava sempre no final da
fila e consegui ver todas as meninas passarem e me encantava com todas, mas em
especial com Elizabeth. Elizabeth sempre
ganhava os concursos de menina mais bonita e que tirava as melhores notas em
todas as matérias e eu de cara deduzi que para conquistá-la, primeiro teria que
ser um excelente aluno. Eu me esforçava demais para tirar boas notas. Minhas
notas não eram ruins, mas não iguais a de Elizabeth. Na sala de aula eu gostava
de sentar-me na lateral, do lado da janela. Elizabeth sentava-se numa posição
mais central, na terceira fileira e da minha posição conseguia ver suas pernas
perfeitas e seu corpo de silhueta de traços uniformes, tudo encaixado na saia
cinza e camisa branca. Eu precisava de uma
chance, de uma oportunidade de ficar frente a frente com Elizabeth e poder
iniciar uma conversa. Nos grupos de trabalho eu gostaria de poder participar
com Elizabeth, mas a professora, a chata da Dona Cacilda quem formava os grupos
e ela sempre separava os meninos das meninas: - Vai ter a festa de aniversário do
Robertinho. Você vai? Sinceramente não estava a fim de ir à
festa do aniversário do Robertinho. Eu estava cansado de ficar esquentando a
parede da garage onde fazíamos os bailes, principalmente quando tocava a música we said goodbye do Dave McLean. Nenhuma
menina queria dançar comigo: - Você é muito alto. Diziam elas. Mas quando fiquei sabendo que Elizabeth iria à festa, não pensei
duas vezes. Fui. O Robertinho era um cara legal, mas muito metido. Era ruim de
bola, preferia jogar vôlei a futebol, por isso não fazia parte da minha roda de
amigos, mas, mesmo assim nos dávamos bem. O pior foi saber que ele também
estava a fim da Elizabeth e além do mais as notas dele eram melhores que as
minhas. O grande defeito de Elizabeth era escolher seus amigos e amigas em
função das notas que tínhamos no boletim. Isso me incomodava, pois, apesar de
não ser mal aluno, estava no terceiro escalão de notas e assim seria difícil me
aproximar de Elizabeth. Todos achavam Elizabeth a mais linda da escola. Até as
meninas, os professores, a diretora, achavam Elizabeth linda, e eu,
evidentemente, muito mais ainda. Quando cheguei à
escola naquele início de tarde, após cantarmos o hino nacional e tomarmos uma
geral dos inspetores, as filas iniciaram a subida para as salas de aula. Na
curva da escada, me dei de frente com Elizabeth. Meu Deus! Que garota linda! Ela olhou para
mim e sorriu. Minha boca ficou aberta e eu hipnotizado. Os olhos de Elizabeth
brilhavam e as minhas pernas tremiam. Ela sorriu novamente e me chamou pelo
nome: - Você vai à festa do Robertinho? -
Vou sim! - Então nos vemos lá! Na sala de aula era
muito difícil os meninos conversarem com as meninas por causa da Dona Cacilda e
as chances disso acontecer era na fila, depois do hino, subindo as escadas em
direção à sala de aula. No recreio também era tudo separado e sempre éramos
vigiados pelos inspetores. Uma vez eu e o Robertinho armamos um plano que deu
certo e conseguimos passar para o lado das meninas. Foi uma aposta. Quem
conseguia passar as meninas beijavam... Pena que aquilo me custou dois dias de
suspensão e uma carta de advertência, assinada pela Dona Cacilda. Fiquei muito feliz de
ter tido a oportunidade de conversar com Elizabeth e teria uma grande
oportunidade de conversar novamente na festa do Robertinho. De volta para casa,
naquele dia, comecei a descobrir o que é realmente o amor, como ele se
manifesta e as transformações que temos no comportamentos e ficamos como se
realmente estivéssemos no "mundo da lua". A partir daquele momento eu
tinha decidido que iria tentar conquistar Elizabeth de qualquer maneira. Eu
estava apaixonado e meu primeiro desafio foi melhorar ainda mais meus estudos,
pois sabia que a maneira mais rápida de me aproximar de Elizabeth era ter um
boletim cheio de notas verdes. Minha mãe ficou
preocupada e confusa, pois pelas notas que eu tinha no boletim não era
necessário que eu me "matasse" de estudar. Meu pai ficou muito
preocupado, pois me pegou várias vezes nas madrugadas debruçado e dormindo
sobre os livros: - O que será que está acontecendo com esse
menino?
A festa foi um fracasso. O puto do
Robertinho só convidou homem. Devia ter uns quinze meninos para quatro meninas,
dentre elas Elizabeth. A vitrola quebrou na terceira música e o jeito foi ficar
conversando, comendo bolo pullman e bebendo crush. Elizabeth foi logo embora.
Seu pai veio buscá-la muito cedo e assim a festa perdeu a graça, pois as outras
três meninas eram muito feias. Na semana seguinte eu teria uma grande chance de
mudar o rumo desta história. Aconteceria um concurso ou uma gincana de
matemática. Eu havia estudado feito louco nos últimos meses e as minhas notas
que já eram boas, ficaram ótimas. Só que desta vez a gincana teria um atrativo
a mais e que aguçou todos os meninos: Como Elizabeth vencia todas as gincanas
de matemática, daquela vez ela não participaria. Além disso, o primeiro
colocado dos meninos ganharia um beijo de Elizabeth. Existiam doze meninos
participando da gincana, pois somente os doze que tinham as melhores notas
poderiam participar. Os três primeiros colocados ganhariam medalhas de ouro,
prata e bronze e o primeiro colocado, além da medalha de ouro, ganharia o beijo
de Elizabeth. A prova foi composta por dez questões, dez exercícios de
matemática em que os doze meninos teriam quarenta e cinco minutos para
resolvê-los. Eu estava bem preparado, tinha estudado bastante, gostava muito de
matemática, mas os outros garotos também eram bons e todos nós queríamos o
beijo da garota mais linda e mais gostosa da escola. A prova não estava
difícil, mas o professor Alcides era mestre em preparar algumas pegadinhas nos
exercícios que fazia confundir e se não fossemos espertos poderíamos errar até
mesmo os exercícios fáceis. Terminei a prova com trinta e sete minutos.
Robertinho terminou com trinta e os outros concorrentes ainda ficaram
"quebrando a cabeça" - Cadê Elizabeth! - Calma garoto. Tá com fogo? Disse a Dona
Angélica, diretora que iria ajudar o professor Alcides na correção das provas. Eu estava nervoso, minhas mãos estavam suando
e me deu vontade de fazer xixi. Fui ao banheiro e no corredor encontrei-me com
o Robertinho: - O que achou da prova?
- Não estava difícil, mas o professor
Alcides gosta de fazer pegadinhas nas questões. - É mesmo, mas minha medalha e meu beijo estão
garantidos, disse o metido do Robertinho. O professor Alcides
começou a corrigir as provas com um sorriso sarcástico no rosto quando a
diretora Dona Angélica disse que todos estavam dispensados e podiam voltar para
suas casas e que o resultado da gincana de matemática somente seria divulgado
no dia seguinte. Foi muito difícil dormir naquela noite que antecedeu o
resultado da gincana. Eu tinha certeza que tinha ido bem na prova, mas me bateu
um conflito em minha consciência. Eu estava apaixonado pela Elizabeth, mas não
queria ganhá-la num concurso de matemática e ao mesmo tempo o beijo seria
apenas um cumprimento, da mesma forma que as pessoas se saúdam por um feito,
prêmio etc. Dessa maneira eu fui para a cerimônia de premiação despreocupado,
sem a ansiedade de que teria que ganhar a qualquer custo e pensar que o beijo
de Elizabeth valeria mais do que a medalha de ouro. - Vamos
iniciar o anúncio do resultado, Disse a Dona Angélica. Eu fiquei longe do
palco. Estava estranho naquele dia. Senti uma vontade de ir embora e sequer
saber do resultado da gincana. No meio da multidão de alunos não consegui
avistar Elizabeth, enquanto a Dona Angélica entregava a medalha de bronze para
o Victor Hugo. O Robertinho esfregava as mãos, mas ficou decepcionado com a
medalha de prata.
- E o vencedor da gincana de matemática da
oitava serie do ano de mil novecentos e setenta e quatro foi... Quando o professor Alcides anunciou meu
nome como vencedor, a única coisa que me veio à mente foram os dias em que
passei estudando até nas madrugadas para que pudesse estar mais perto da garota
que eu estava apaixonado. Lembrei-me da preocupação dos meus pais e cheguei à
conclusão naquele momento que o mais importante era saber que fui capaz de
atingir um objetivo e isso foi muito importante para o que eu pretendia na
minha vida. Quanto a Elizabeth, para que deveria me preocupar com o beijo se
ela nem ao menos estava na cerimônia de premiação? - Eu
estou aqui! Eu vi quando você se afastou do palco e veio nesta direção! Era Elizabeth, na minha frente! Ela olhou em meus olhos e logo fui hipnotizado pelo brilho de seus
olhos de ébano, enquanto a Dona Angélica me chamava pelo microfone para me
entregar a medalha de ouro. - Fiquei contente que você venceu a gincana.
Torci por você. Na verdade eu não estava acreditando no que estava acontecendo.
Abaixei a cabeça e vi quando os pés de Elizabeth caminharam na minha direção. À
medida que ela se aproximou, exalou um perfume que jamais havia sentido.
Parecia que eu estava num imenso jardim em que todas as rosas tinham inveja de
Elizabeth, por ela ser a mais bela, a mais perfumada. E quando ficamos frente a
frente, pensei em dar uma face para que Elizabeth me beijasse, pois afinal, eu
havia ganhado a medalha de ouro. Mas existem momentos na vida que são únicos,
que não podemos deixar passar, pois só existem uma vez e pode ser que não
teremos mais uma oportunidade como aquela. E foi então que ao invés da face,
dei minha boca para Elizabeth. Foi uma sensação única que pensei que demoraria
poucos segundos e fomos surpreendidos por um longo beijo. E o beijo quando
somado ao abraço, invade a alma e o coração dispara feito uma bateria de ritmos
descompassados, e o resultado são formas de expressão, como as bochechas
vermelhas no rosto de Elizabeth e as minhas pernas trêmulas, resultando no que
chamamos de paixão. - Elizabeth, eu nunca vou me esquecer daquele
beijo. Do beijo que você me deu!
“O mundo pode acabar amanhã que não vou
me esquecer do beijo que você me deu! Existem momentos na vida que ficam
gravados para sempre na alma e no coração. E isso se torna um combustível que
nos permite forças para nunca desistir de caminharmos em busca da felicidade. E
é por isso que nunca vou me esquecer do beijo que você me deu! Lembra? Mesmo
quando as estrelas uma a uma estiverem se apagando não
vou esquecer-me do beijo que você me deu. Se estiver velho e sem
forças, quando meu coração insistir em parar de bater, vou recordar o beijo,
daquele beijo, do beijo que você me deu. Para o caminho que eu seguir,
pode ser que minha memória se apague. Em meus devaneios vou pedir ajuda de Deus
para que não se apague a lembrança do beijo, do beijo que você me deu. E se a
saudade for tanta, tamanha, que eu queira deixar de existir para esquecer-se do
gosto do teu beijo, caminharei das mais distantes vilas, do fundo do mar, da
última estrela do universo, do infinito, e vou pedir a Deus para nascer de
novo, nem que seja por alguns minutos, e que eu possa te encontrar de novo e
você me dar um beijo igual àquele que você me deu!”
TRECHO DO LIVRO
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