20 janeiro 2019

O BEIJO QUE VOCÊ ME DEU... LEMBRA?

Os alunos sempre ficavam perfilados no pátio e ouviam o hino nacional antes que subissem para a sala de aula. Depois, os inspetores conferiam na fila se todos estavam com os uniformes devidamente alinhados, limpos, sapatos engraxados, cabelos penteados e devidamente aparados. Evidente que existia certo rigor excessivo, mas servia para complementar a educação que recebíamos de nossos pais. Para complementar o rigor, os meninos ficavam bem longe das meninas, mas mesmo de longe eu conseguia ver a beleza de Elizabeth, para mim, a menina mais linda do Grupo Escolar. Quando terminávamos de cantar o hino nacional, os meninos e meninas, perfilados, se dirigiam para a sala de aula e sempre, num dado instante, a fila dos meninos se encontrava com a fila das meninas. Como eu era um dos mais altos, ficava sempre no final da fila e consegui ver todas as meninas passarem e me encantava com todas, mas em especial com Elizabeth. Elizabeth sempre ganhava os concursos de menina mais bonita e que tirava as melhores notas em todas as matérias e eu de cara deduzi que para conquistá-la, primeiro teria que ser um excelente aluno. Eu me esforçava demais para tirar boas notas. Minhas notas não eram ruins, mas não iguais a de Elizabeth. Na sala de aula eu gostava de sentar-me na lateral, do lado da janela. Elizabeth sentava-se numa posição mais central, na terceira fileira e da minha posição conseguia ver suas pernas perfeitas e seu corpo de silhueta de traços uniformes, tudo encaixado na saia cinza e camisa branca. Eu precisava de uma chance, de uma oportunidade de ficar frente a frente com Elizabeth e poder iniciar uma conversa. Nos grupos de trabalho eu gostaria de poder participar com Elizabeth, mas a professora, a chata da Dona Cacilda quem formava os grupos e ela sempre separava os meninos das meninas: - Vai ter a festa de aniversário do Robertinho. Você vai? Sinceramente não estava a fim de ir à festa do aniversário do Robertinho. Eu estava cansado de ficar esquentando a parede da garage onde fazíamos os bailes, principalmente quando tocava a música we said goodbye do Dave McLean. Nenhuma menina queria dançar comigo: - Você é muito alto. Diziam elas. Mas quando fiquei sabendo que Elizabeth iria à festa, não pensei duas vezes. Fui. O Robertinho era um cara legal, mas muito metido. Era ruim de bola, preferia jogar vôlei a futebol, por isso não fazia parte da minha roda de amigos, mas, mesmo assim nos dávamos bem. O pior foi saber que ele também estava a fim da Elizabeth e além do mais as notas dele eram melhores que as minhas. O grande defeito de Elizabeth era escolher seus amigos e amigas em função das notas que tínhamos no boletim. Isso me incomodava, pois, apesar de não ser mal aluno, estava no terceiro escalão de notas e assim seria difícil me aproximar de Elizabeth. Todos achavam Elizabeth a mais linda da escola. Até as meninas, os professores, a diretora, achavam Elizabeth linda, e eu, evidentemente, muito mais ainda. Quando cheguei à escola naquele início de tarde, após cantarmos o hino nacional e tomarmos uma geral dos inspetores, as filas iniciaram a subida para as salas de aula. Na curva da escada, me dei de frente com Elizabeth.  Meu Deus! Que garota linda! Ela olhou para mim e sorriu. Minha boca ficou aberta e eu hipnotizado. Os olhos de Elizabeth brilhavam e as minhas pernas tremiam. Ela sorriu novamente e me chamou pelo nome: Você vai à festa do Robertinho? - Vou sim! - Então nos vemos lá! Na sala de aula era muito difícil os meninos conversarem com as meninas por causa da Dona Cacilda e as chances disso acontecer era na fila, depois do hino, subindo as escadas em direção à sala de aula. No recreio também era tudo separado e sempre éramos vigiados pelos inspetores. Uma vez eu e o Robertinho armamos um plano que deu certo e conseguimos passar para o lado das meninas. Foi uma aposta. Quem conseguia passar as meninas beijavam... Pena que aquilo me custou dois dias de suspensão e uma carta de advertência, assinada pela Dona Cacilda. Fiquei muito feliz de ter tido a oportunidade de conversar com Elizabeth e teria uma grande oportunidade de conversar novamente na festa do Robertinho. De volta para casa, naquele dia, comecei a descobrir o que é realmente o amor, como ele se manifesta e as transformações que temos no comportamentos e ficamos como se realmente estivéssemos no "mundo da lua". A partir daquele momento eu tinha decidido que iria tentar conquistar Elizabeth de qualquer maneira. Eu estava apaixonado e meu primeiro desafio foi melhorar ainda mais meus estudos, pois sabia que a maneira mais rápida de me aproximar de Elizabeth era ter um boletim cheio de notas verdes. Minha mãe ficou preocupada e confusa, pois pelas notas que eu tinha no boletim não era necessário que eu me "matasse" de estudar. Meu pai ficou muito preocupado, pois me pegou várias vezes nas madrugadas debruçado e dormindo sobre os livros: - O que será que está acontecendo com esse menino?
       A festa foi um fracasso. O puto do Robertinho só convidou homem. Devia ter uns quinze meninos para quatro meninas, dentre elas Elizabeth. A vitrola quebrou na terceira música e o jeito foi ficar conversando, comendo bolo pullman e bebendo crush. Elizabeth foi logo embora. Seu pai veio buscá-la muito cedo e assim a festa perdeu a graça, pois as outras três meninas eram muito feias. Na semana seguinte eu teria uma grande chance de mudar o rumo desta história. Aconteceria um concurso ou uma gincana de matemática. Eu havia estudado feito louco nos últimos meses e as minhas notas que já eram boas, ficaram ótimas. Só que desta vez a gincana teria um atrativo a mais e que aguçou todos os meninos: Como Elizabeth vencia todas as gincanas de matemática, daquela vez ela não participaria. Além disso, o primeiro colocado dos meninos ganharia um beijo de Elizabeth. Existiam doze meninos participando da gincana, pois somente os doze que tinham as melhores notas poderiam participar. Os três primeiros colocados ganhariam medalhas de ouro, prata e bronze e o primeiro colocado, além da medalha de ouro, ganharia o beijo de Elizabeth. A prova foi composta por dez questões, dez exercícios de matemática em que os doze meninos teriam quarenta e cinco minutos para resolvê-los. Eu estava bem preparado, tinha estudado bastante, gostava muito de matemática, mas os outros garotos também eram bons e todos nós queríamos o beijo da garota mais linda e mais gostosa da escola. A prova não estava difícil, mas o professor Alcides era mestre em preparar algumas pegadinhas nos exercícios que fazia confundir e se não fossemos espertos poderíamos errar até mesmo os exercícios fáceis. Terminei a prova com trinta e sete minutos. Robertinho terminou com trinta e os outros concorrentes ainda ficaram "quebrando a cabeça" - Cadê Elizabeth! - Calma garoto. Tá com fogo? Disse a Dona Angélica, diretora que iria ajudar o professor Alcides na correção das provas. Eu estava nervoso, minhas mãos estavam suando e me deu vontade de fazer xixi. Fui ao banheiro e no corredor encontrei-me com o Robertinho: - O que achou da prova?
     - Não estava difícil, mas o professor Alcides gosta de fazer pegadinhas nas questões. - É mesmo, mas minha medalha e meu beijo estão garantidos, disse o metido do Robertinho. O professor Alcides começou a corrigir as provas com um sorriso sarcástico no rosto quando a diretora Dona Angélica disse que todos estavam dispensados e podiam voltar para suas casas e que o resultado da gincana de matemática somente seria divulgado no dia seguinte. Foi muito difícil dormir naquela noite que antecedeu o resultado da gincana. Eu tinha certeza que tinha ido bem na prova, mas me bateu um conflito em minha consciência. Eu estava apaixonado pela Elizabeth, mas não queria ganhá-la num concurso de matemática e ao mesmo tempo o beijo seria apenas um cumprimento, da mesma forma que as pessoas se saúdam por um feito, prêmio etc. Dessa maneira eu fui para a cerimônia de premiação despreocupado, sem a ansiedade de que teria que ganhar a qualquer custo e pensar que o beijo de Elizabeth valeria mais do que a medalha de ouro. - Vamos iniciar o anúncio do resultado, Disse a Dona Angélica. Eu fiquei longe do palco. Estava estranho naquele dia. Senti uma vontade de ir embora e sequer saber do resultado da gincana. No meio da multidão de alunos não consegui avistar Elizabeth, enquanto a Dona Angélica entregava a medalha de bronze para o Victor Hugo. O Robertinho esfregava as mãos, mas ficou decepcionado com a medalha de prata.
       - E o vencedor da gincana de matemática da oitava serie do ano de mil novecentos e setenta e quatro foi... Quando o professor Alcides anunciou meu nome como vencedor, a única coisa que me veio à mente foram os dias em que passei estudando até nas madrugadas para que pudesse estar mais perto da garota que eu estava apaixonado. Lembrei-me da preocupação dos meus pais e cheguei à conclusão naquele momento que o mais importante era saber que fui capaz de atingir um objetivo e isso foi muito importante para o que eu pretendia na minha vida. Quanto a Elizabeth, para que deveria me preocupar com o beijo se ela nem ao menos estava na cerimônia de premiação? - Eu estou aqui! Eu vi quando você se afastou do palco e veio nesta direção! Era Elizabeth, na minha frente! Ela olhou em meus olhos e logo fui hipnotizado pelo brilho de seus olhos de ébano, enquanto a Dona Angélica me chamava pelo microfone para me entregar a medalha de ouro. - Fiquei contente que você venceu a gincana. Torci por você. Na verdade eu não estava acreditando no que estava acontecendo. Abaixei a cabeça e vi quando os pés de Elizabeth caminharam na minha direção. À medida que ela se aproximou, exalou um perfume que jamais havia sentido. Parecia que eu estava num imenso jardim em que todas as rosas tinham inveja de Elizabeth, por ela ser a mais bela, a mais perfumada. E quando ficamos frente a frente, pensei em dar uma face para que Elizabeth me beijasse, pois afinal, eu havia ganhado a medalha de ouro. Mas existem momentos na vida que são únicos, que não podemos deixar passar, pois só existem uma vez e pode ser que não teremos mais uma oportunidade como aquela. E foi então que ao invés da face, dei minha boca para Elizabeth. Foi uma sensação única que pensei que demoraria poucos segundos e fomos surpreendidos por um longo beijo. E o beijo quando somado ao abraço, invade a alma e o coração dispara feito uma bateria de ritmos descompassados, e o resultado são formas de expressão, como as bochechas vermelhas no rosto de Elizabeth e as minhas pernas trêmulas, resultando no que chamamos de paixão. - Elizabeth, eu nunca vou me esquecer daquele beijo. Do beijo que você me deu!
        “O mundo pode acabar amanhã que não vou me esquecer do beijo que você me deu! Existem momentos na vida que ficam gravados para sempre na alma e no coração. E isso se torna um combustível que nos permite forças para nunca desistir de caminharmos em busca da felicidade. E é por isso que nunca vou me esquecer do beijo que você me deu! Lembra? Mesmo quando as estrelas uma a uma estiverem se apagando não vou esquecer-me do beijo que você me deu. Se estiver velho e sem forças, quando meu coração insistir em parar de bater, vou recordar o beijo, daquele beijo, do beijo que você me deu. Para o caminho que eu seguir, pode ser que minha memória se apague. Em meus devaneios vou pedir ajuda de Deus para que não se apague a lembrança do beijo, do beijo que você me deu. E se a saudade for tanta, tamanha, que eu queira deixar de existir para esquecer-se do gosto do teu beijo, caminharei das mais distantes vilas, do fundo do mar, da última estrela do universo, do infinito, e vou pedir a Deus para nascer de novo, nem que seja por alguns minutos, e que eu possa te encontrar de novo e você me dar um beijo igual àquele que você me deu!”
TRECHO DO LIVRO

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