16 julho 2016

LIVRO - ALGUMAS CARTAS - ANTOLOGIA III

AS ROSAS SOBRE A MESA NÃO VIVEM MAIS:
A porta estava entreaberta e do meu lado eu podia a ver olhando para uma imagem de Jesus Cristo no alto da parede. Seria bom se tivéssemos a bênção de Deus, tentamos várias vezes, mas caminhamos, infelizmente, em lados opostos, não compartilhamos do mesmo pensamento e nossas atitudes intempestivas contribuíram para tantas brigas e em cada briga uma desilusão, rancor, fazendo com que as mágoas habitassem de vez nossos corações. Para que vamos lutar para nos unir novamente se a cada manhã ou ate mesmo antes do sol nascer estamos em discórdia novamente? Vamos terminar por aqui para que a mágoa não vire definitivamente rancor. Muitas vezes parei para pensar porque chegamos numa situação como a que estamos vivenciando neste cenário de guerra, onde a discórdia prevalece sobre a compreensão e não existe razão em nossas atitudes e pensamos. Tentei voltar no tempo e retomar do momento em que fomos felizes, mas a máquina do tempo enguiçou e eu não consegui chegar, talvez por tantas pedras que encontrei no caminho, umas atiradas por você, outras por mim... Talvez porque você não estivesse lá quando eu chegasse e eu ficaria na dúvida se seria bom ou ruim. A minha vida nunca foi um mar de rosas, mas naveguei na felicidade quando te busquei no fundo do mar e te ergui como um troféu, quando submergi e fui até os céus de alegrias e contentamento. Apesar dos espinhos, não me sangrei, pois existia amor em nossas atitudes – Existia. E os nossos corações eram metade amor, metade paixão, que nenhuma força, mesmo as sobrenaturais, podia destruir. Era isso que se podia ler nos olhos de um casal, pronto a irem cada um para seu lado, cada um para seu destino incerto, pois de tantas voltas, agora sabiam que o amor não é eterno. Olhando para os discos, os livros sobre a estante empoeirada, vinha em minha mente momentos em que consegui entender e sentir o que é um amor de verdade. Talvez fosse melhor não termos declarado juras de amor, talvez não devesse ter nos amado tanto, tanto... Talvez, pois ao percebermos que nos enganamos, que fomos enganados por um mal súbito de nossos corações, a dor se tornou maior, como um punhal de toledo fincado em nossas costas largas, mesmo depois de uma longa noite de amor.
       Assim como o amor veio, se foi. Se foi muito mais rápido, deixando rastros, deixando uma porta entreaberta entre nós, dividindo o certo e o errado, o justo e o injusto... A dor. Já pensamos uma vez achar que tudo foi um sonho, uma fantasia, mas que tivesse um final feliz, como nos filmes de amor que assistimos tanto, nos despedindo com um sorriso ou um aperto de mão, ao invés de ficarmos cada um em seu mundo, separados por uma porta a bater a qualquer momento de um lado ou de outro, de tanta ira que irradiava nosso ambiente. Quando te conheci estava vivendo o melhor momento da minha vida. Você chegou como uma luz a iluminar ainda mais o meu caminho. Foi amor à primeira vista, como nos filmes das matinês quando éramos crianças. Perguntei a mim mesmo o que era o amor que estava sentindo naquele momento e a resposta eu obtive no teu olhar, na tua boca e no gosto do beijo que você me deu, de repente, sem eu esperar, fazendo com que minhas pernas tremessem, sem ser de medo, pela primeira vez.
       Foi então que passei a entender verdadeiramente o que significava a saudade, quando você estava longe de mim. Ficar sem sentir teu cheiro e imaginá-lo, não era a mesma coisa e foi por isso que nossos encontros e reencontros foram sempre apimentados, calientes... E tínhamos a necessidade de nos abraçarmos como se cada abraço fosse o ultimo, como se cada beijo fosse o ultimo e como se nunca mais fossemos nos encontrar. Tudo aconteceu como se fosse um conto de fadas, como se a vida fosse perfeita, como se não existisse tristezas, apenas felicidades, mas chegou uma hora que a história teve que terminar. Eu fiz de tudo para que fosse um final feliz, mas também errei, também cometi os meus pecados e se estamos separados e incomunicáveis dentro de nossa própria casa, eu e você temos culpas. Eu acredito que nos precipitamos quando resolvemos viver juntos antecipadamente, tínhamos que conhecer melhor a vida. Não tínhamos como aproveitar a vida plenamente e isso aguçou o nosso sentido de liberdade. Olhar para você além da porta entreaberta pode significar o meu desespero da separação, mas assim pode ser melhor. Não podíamos continuar como se fossemos estranhos num mesmo ambiente em que as rosas sobre a mesa sempre foram o sinal de afeto e ternura, que não existe mais entre nós. Quem sabe, até resolvermos nossa situação você possa fazer a sua mea culpa. Eu já fiz a minha e já lhe disse que errei bastante, mas se formos realmente remoer o passado, fazer nosso próprio julgamento, seremos condenados e nossos corações ficarão presos, amarrados, sangrando por raiva e descontentamento e é por isso que devemos terminar a jornada neste momento, para que as feridas não se tornem gangrenas e definitivamente parem de sangrar. As rosas sobre a mesa sempre estiveram vivas, montadas e arranjadas num jarro com água na sala de estar sobre a mesa de jantar. Suas cores simbolizaram os momentos em que vivemos e a paixão vermelho que se aflorou num longo tempo em que convivemos.
       Olhando-te nesta pequena distância que agora nos separa, posso até dizer que os momentos por nós vividos poderiam ser um combustível para a reconciliação, mas, na boa... Não dá. As brigas provocaram feridas que machucaram nossos corações e as cicatrizes não formaram eficazes para curarem os buracos deixados em nossas almas. Queria me despedir de você de uma maneira menos cruel, mais suave, sem rastros de desavenças nem olhares de rancor, mas não dá, pois temos as mesmas armas, as mesmas pedras nas mãos que depois de lançadas, não voltaram mais e ficaram sem efeito os pedidos de perdão. Aprendi que quando se tem uma desavença, o melhor que temos a fazer e deixar a tempestade passar, para depois recolher os cacos, reparar os estragos que provocou. Não adianta tentar hipnotizar as mágoas com os olhos vermelhos, cheios de ódio que o amor provocou. Não devemos tentar novamente. Temos que terminar e que possamos fazer com que a raiva passe mais depressa e possamos seguir caminhos de vias contrárias, para que não possamos mais nos trombar na estrada da desilusão, ainda mais que, em todas as tempestades, a maior disputa sempre foi para ver quem vai segurar o timão do navio que já estava a muito tempo naufragado.
       Então, o melhor a fazer agora é ignorar os insultos, pois o oposto do amor não é o ódio e sim a indiferença... Portanto, os discos e os livros você não levará com você.
       - Não vão lhe fazer falta.
Pra onde você for não leve nenhum objeto que possa fazer lembrar algum momento vivido entre nós, pois a situação exige que se apague qualquer sinal que um dia nos uniu.
       Da cabeceira da cama pode tirar o teu retrato, não vou querer recordar é não vai me fazer falta. Ao passar pela ultima vez no jardim que um dia brotaram rosas coloridas, não deixe rastros sem saídas, não pise fundo nas terras negras, pois vem de lá toda a inspiração para meus versos e minha vida. Tome muito cuidado com os buracos que você mesma deixou para que eu pudesse cair em suas armadilhas. Ao sair de casa, não derrube o que estiver pela frente, não destrua o que já está destruído e nem bata a porta com a força da sua indignação, pois eu não quero ver a tua ira. Passando pela sala de estar junto à mesa de jantar, não se esqueça de recolher as rosas sobre a mesa... Elas não vivem mais... Ficaram murchas, [cresceram-se em espinhos], secaram com o tempo, morreram como o amor que um dia eu e você pensamos ter existido.
TRECHO DO LIVRO