Toda a trajetória humana consiste em uma busca progressiva de respostas,
na qual o homem procura superar a si mesmo em meio aos conflitos existenciais
em direção à almejada verdade libertadora. Efetivamente, importa em um primeiro
momento questionar: como se chegar a essa verdade? E ainda, o que é a verdade?
Ao se questionar qual o meio prático mais eficaz para se melhorar nesta vida e
resistir ao arrastamento do mal, Santo Agostinho responde em O Livro dos Espíritos: Um
sábio da Antigüidade vos disse: ”Conhece-te a ti mesmo”. Tal aforismo,
já inscrito no oráculo de Delfos, nos leva inicialmente a entender que a
libertação e alegria do Espírito não consistem em um estado, mas em um processo
de busca da verdade em si mesmo, o qual define-se, consoante a pedagogia
socrática, em dois momentos: a ironia e a maiêutica. Através da ironia, ou arte
da interrogação, Sócrates levava o discípulo a afastar toda idéia falsa ou
ilusão que tivesse do mundo e sobre si mesmo, induzindo-o a chegar à verdade
por si mesmo. Tal procedimento visa inicialmente pôr a descoberto a vaidade,
desmascarar a impostura e seguir a verdade. Ao atacar os cânones oficiais, a
ironia socrática parece ter uma feição negativa e revolucionária, no entanto,
esse primeiro momento do processo de autoconhecimento é autêntico, uma vez que
visa à purificação da alma por via da expulsão de idéias obscuras e ilusórias
que esta possui sobre si e que na verdade distanciam a alma de si mesma. A
melhor maneira de promover o auto-aperfeiçoamento, afirma Sócrates, é por meio
do auto-exame através deste reencontro consigo mesmo que se torna possível o
renascer da própria consciência, a parturição, ou seja, o trazer à luz as
próprias idéias. Apenas aquilo que é decidido de dentro para fora é autêntico e
pode nos libertar. Efetivamente, a posse da verdade consiste em uma operação
não apenas vital, mas pessoal, em que a forma interrogativa ou dialética
permite ao discípulo relembrar a verdade adormecida em sua alma. É assim que
Agostinho de Hipona nos descreve o itinerário dessa busca de autoconhecimento
diante de tantos conflitos existenciais que afligiam sua alma quando,
dilacerado pelas vaidades e paixões, desperta para as verdades cristãs.
Trecho do Livro
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