02 julho 2016

LIVRO - BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS



FELIZ ANIVERSÁRIO!


       Maria era uma mulher guerreira. Mãe solteira, fazia de tudo pela educação e sucesso de seu filho Rafael, à época com quatorze anos. Maria não media seus esforços e trabalhava em três empregos para sustentar o filho, depois que o companheiro a abandonou quando Rafael ainda era um bebê. Rafael por sua vez, reconhecia o esforço de sua mãe e sempre foi um garoto muito esforçado nos estudos.

       Além do ensino médio, Rafael se dedicava em aprender inglês e ainda fazia curso de informática e nas aulas de educação física sempre foi um dos melhores. Muito elogiado pelos mestres que o assistia, era um orgulho para Maria.

       Das poucas vezes em que Maria e Rafael pudessem conviver com outras pessoas da família, esses tinham em Maria uma “Mama África”, aquela guerreira de todos os dias, e nas brincadeiras em família sempre cantavam uma música que identificava em muito Maria:

       - “Mama África / a minha mãe é mãe solteira / e tem que fazer mamadeira / todo dia / além de trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia!”

       Maria trabalhava pela manhã numa empresa fazendo a faxina, depois ia direto para a casa da Dona Zilá onde fazia o almoço, levara as crianças para a escola e na volta vendia balas e doces na porta da escola onde o filho Rafael estudava. Todos os dias Maria acordava às cinco horas da manhã. Deixava tudo pronto para Rafael: A comida, suas roupas bem passadas e um dinheirinho para possíveis emergências que Rafael poderia ter. Rafael aprendeu a se virar sozinho logo cedo. Sem um Pai ou outro alguém da família por perto, Rafael reconhecia o esforço da Mãe e procurava fazer as coisas de acordo com as recomendações de Maria:

       - É uma maneira de retribuir e compensar todo o esforço que minha mãe tem comigo. Dizia sempre Rafael.

       Numa determinada ocasião, a crise no país fez com que as empresas demitissem muitos empregados. Apesar de trabalhar em três empregos, Maria precisa da remuneração que provinham desses empregos, pois pagava aluguel da pequena casa, sustentava sozinha seu filho, pagava-lhe cursos de especialização e tinha outras contas a pagar.

       Maria não atribuiu aquele acontecimento como uma felicidade: A empresa onde trabalhava e que lhe provia a maior renda, mandou muitos funcionários embora, mas mantiveram Maria. Apesar de não perder o emprego, foram lhe atribuído muito mais trabalhos, o que tornava sua vida uma correria maior ainda. Sempre que Maria saía de casa para o trabalho o sol ainda não tinha nascido e quando voltava, o sol já havia se apagado. Toda vez que Maria chegava em casa, à noite, Rafael estava mergulhado nos livros. Esperava sua mãe descansar um pouco, tomar um banho até que pudessem jantar juntos. durante o jantar, Rafael fazia questão de perguntar como havia sido o dia de sua Mãe. Maria sempre retratava os pontos positivos do seu dia a dia e deixava os problemas vinculados a uma única frase: - A vida é uma luta!

       Maria sentiu que Rafael queria lhe dizer algo naquela noite, mas cansada, deixou para questionar Rafael ao amanhecer.

       - Boa noite mãe, durma com Deus!

Essa frase era uma prece de Rafael para Maria e fazia com que ela pudesse ir dormir em paz. Rafael esperava a mãe se deitar e depois se deitava um pouco abraçado à Maria até que pegasse no sono, quando depois, ia para seu quarto.

       - Boa noite mãe, durma com Deus!

A prece era repetida e Rafael ia para seu quarto, se deitava até dormir. No dia seguinte quando saia de casa, Maria percebeu que Rafael tinha lhe deixado um bilhete. Colocou-o na bolsa e pensou em lê-lo durante a viagem de ônibus até o trabalho. Quando Maria leu o bilhete se emocionou:       

       - Mãe, amanhã é o dia do meu aniversário! Você pode fazer um bolo?

       Rafael estaria completando quinze anos de idade.

       - Como o tempo passa! Meu menino com quinze anos!

       Orgulhava-se Maria.

       Maria começou a articular uma maneira de providenciar o bolo. Durante o dia seria impossível, pois não existia tempo hábil. Pensou em fazer o bolo à noite, entretanto, contava com o recebimento de seu salário na empresa para providenciar o bolo e um presente para Rafael.

       Naquele dia, véspera do aniversário de Rafael, houve uma greve na empresa. Poucas pessoas conseguiram entrar para trabalhar. Dentre essas pessoas, Maria conseguira. Como haviam poucos funcionários para o trabalho, Maria teria de fazer um turno de doze horas para compensar a falta de vários funcionários devido à greve. Maria não poderia recusar. Precisava do emprego, mesmo sabendo que não iria receber seu salário naquele dia, pois a empresa estava com dificuldades financeira, por isso a greve. Maria tinha que trabalhar. Ligou para Dona Zilá dizendo que não poderia, naquele dia, executar os serviços. Dona Zilá compreendeu e ainda lhe desejou sorte. Maria se tranquilizou. Entretanto, durante o trabalho pesado daquele dia, lembrou-se do bilhete de Rafael: - Como vou fazer o bolo? Maria tentou de todas as maneiras possíveis: Ligou para alguns parentes, conversou com poucos amigos, mas ninguém lhe ofereceu vantagem em fazer o bolo. Maria então resolveu que, de alguma maneira, faria o bolo à noite em sua casa. Naquela noite Maria chegou muito tarde em casa. Além do turno puxado, teve ainda que fazer horas extras e quando chegou Rafael estava dormindo.

       Maria abriu a dispensa e verificou que lhe faltava vários ingredientes para que pudesse fazer o bolo. Cansada, pensou, pensou e acabou dormindo. No dia seguinte acordaria e explicaria a Rafael, mas quando acordou, Rafael já havia saído. Não era comum Rafael dormir antes de sua mãe chegar e nem sair de manhã, antes de abraçar sua mãe, mas Maria entendeu que por ser seu aniversário, teria alguma comemoração por parte dos amigos. Maria acordou se preparou e ao sair sentiu uma pontada no coração. Por alguns segundos sentiu uma falta de ar, mas logo passou e Maria se dirigiu ao trabalho. O dia estava corrido, muito trabalho, a greve ainda persistia e quando foi por volta das onze horas da manhã um carro de polícia estacionou na empresa em que Maria trabalhava:

       - Bom dia, estamos procurando por Maria da Conceição Santos, ela trabalha aqui?

       Indagou o soldado militar.

       Maria foi chamada numa sala, onde o soldado militar lhe comunicou, secamente:

       - Minha senhora, aconteceu um acidente. Houve um atropelamento na avenida principal e pelo que me consta, seu filho Rafael Miguel Santos foi atingido mortalmente por um carro de passeio, que se evadiu do local. Sinto muito.

       Maria não reagiu imediatamente. Ficou parada, de olhos arregalados, hipnotizada, esperando que as lágrimas caíssem de seu rosto. Alguns amigos do trabalho chegaram para poder consola-la.

       - Maria se desesperou quando lhe contaram.

       Estava segurando o bilhete. O bilhete do bolo de Rafael.

       - Meu Deus! Deve ter havido algum engano. Hoje é o aniversário de quinze anos do meu filho Rafael. Eu estou correndo pra lá e pra cá para fazer o bolo que ele me pediu. Olhem aqui o bilhete! Não me digam isso! Não pode ser!

       Foi difícil fazer acreditar Maria sobre o acontecido.

       - Meu filho! Eu quero meu filho!

       Maria chorou muito, se desesperou muito, e todos sentiram. Levaram-na até o hospital, mas no percurso até o necrotério se perderam de Maria. Todos pensaram que Maria poderia cometer uma loucura. Ficaram desesperados.

       De repente Maria adentrou no necrotério segurando um bolo em suas mãos e aos berros, dizia:

       - Meu filho, desculpe-me, perdão, eu só consegui o bolo agora, não partas antes de provar o seu bolo, a mãe trouxe com carinho, não vá embora meu filho, tome aqui o seu bolo!

       Foi difícil controlar Maria até o sepultamento do seu filho Rafael. Os dias se passaram. Maria foi acolhida na Fraternidade Cristo Redentor onde Rafael fazia cursos e ajudava a cuidar de crianças carentes. Ficou algum tempo sem trabalhar e aos cuidados da Fraternidade. Quando se recuperou não tinha mais os empregos que a sustentava. Os parentes sumiram e então Maria se fixou na Fraternidade Cristo redentor, onde cuidava de várias crianças. As crianças amavam a Tia Maria!

       Depois de alguns anos trabalhando na Fraternidade, cuidando de crianças abandonadas, durante um almoço, um menino bem pequenino cujo era chamado carinhosamente de “Tampinha” puxou o avental de Maria e disse-lhe:

       - Tia Maria, amanhã é o meu aniversário, você faz um bolo pra mim? Faz Tia Maria?

Maria ajoelhou-se e abraçou o pequenino Tampinha. Deu-lhe um longo beijo, chorou muito e viu as lagrimas também caindo do rosto de Tampinha:

       - Faço sim meu filho! A Tia vai lhe fazer um bolo bem bonito e gostoso e todos vamos cantar parabéns para você!

       E a festa de Tampinha foi muito bonita. No momento em que todas as crianças estavam cantando parabéns a você, Maria, ou Tia Maria foi apanhada num misto de tristeza e alegria e se surpreendeu ainda mais quando Tampinha lhe abraçou e beijou dizendo:


       -Tia Maria, eu te amo!

       A senhora é a minha Mãe!

TRECHO DO LIVRO:
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
TEXTO: FELIZ ANIVERSÁRIO!
AUTOR: ANTONIO AUGGUSTO JOÃO

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