Maria era uma mulher guerreira. Mãe
solteira, fazia de tudo pela educação e sucesso de seu filho Rafael, à época
com quatorze anos. Maria não media seus esforços e trabalhava em três empregos
para sustentar o filho, depois que o companheiro a abandonou quando Rafael
ainda era um bebê. Rafael por sua vez, reconhecia o esforço de sua mãe e sempre
foi um garoto muito esforçado nos estudos.
Além do ensino médio, Rafael se dedicava
em aprender inglês e ainda fazia curso de informática e nas aulas de educação
física sempre foi um dos melhores. Muito elogiado pelos mestres que o assistia,
era um orgulho para Maria.
Das poucas vezes em que Maria e Rafael
pudessem conviver com outras pessoas da família, esses tinham em Maria uma “Mama África”, aquela guerreira de todos
os dias, e nas brincadeiras em família sempre cantavam uma música que
identificava em muito Maria:
- “Mama
África / a minha mãe é mãe solteira / e tem que fazer mamadeira / todo dia / além
de trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia!”
Maria trabalhava pela manhã numa empresa
fazendo a faxina, depois ia direto para a casa da Dona Zilá onde fazia o
almoço, levara as crianças para a escola e na volta vendia balas e doces na
porta da escola onde o filho Rafael estudava. Todos os dias Maria acordava às
cinco horas da manhã. Deixava tudo pronto para Rafael: A comida, suas roupas
bem passadas e um dinheirinho para possíveis emergências que Rafael poderia
ter. Rafael aprendeu a se virar sozinho logo cedo. Sem um Pai ou outro alguém
da família por perto, Rafael reconhecia o esforço da Mãe e procurava fazer as
coisas de acordo com as recomendações de Maria:
- É
uma maneira de retribuir e compensar todo o esforço que minha mãe tem comigo.
Dizia sempre Rafael.
Numa determinada ocasião, a crise no
país fez com que as empresas demitissem muitos empregados. Apesar de trabalhar
em três empregos, Maria precisa da remuneração que provinham desses empregos,
pois pagava aluguel da pequena casa, sustentava sozinha seu filho, pagava-lhe
cursos de especialização e tinha outras contas a pagar.
Maria não atribuiu aquele acontecimento
como uma felicidade: A empresa onde trabalhava e que lhe provia a maior renda,
mandou muitos funcionários embora, mas mantiveram Maria. Apesar de não perder o
emprego, foram lhe atribuído muito mais trabalhos, o que tornava sua vida uma
correria maior ainda. Sempre que Maria saía de casa para o trabalho o sol ainda
não tinha nascido e quando voltava, o sol já havia se apagado. Toda vez que
Maria chegava em casa, à noite, Rafael estava mergulhado nos livros. Esperava
sua mãe descansar um pouco, tomar um banho até que pudessem jantar juntos.
durante o jantar, Rafael fazia questão de perguntar como havia sido o dia de
sua Mãe. Maria sempre retratava os pontos positivos do seu dia a dia e deixava
os problemas vinculados a uma única frase: - A vida é uma luta!
Maria sentiu que Rafael queria lhe dizer
algo naquela noite, mas cansada, deixou para questionar Rafael ao amanhecer.
- Boa
noite mãe, durma com Deus!
Essa
frase era uma prece de Rafael para Maria e fazia com que ela pudesse ir dormir
em paz. Rafael esperava a mãe se deitar e depois se deitava um pouco abraçado à
Maria até que pegasse no sono, quando depois, ia para seu quarto.
- Boa
noite mãe, durma com Deus!
A
prece era repetida e Rafael ia para seu quarto, se deitava até dormir. No dia
seguinte quando saia de casa, Maria percebeu que Rafael tinha lhe deixado um
bilhete. Colocou-o na bolsa e pensou em lê-lo durante a viagem de ônibus até o
trabalho. Quando Maria leu o bilhete se emocionou:
- Mãe,
amanhã é o dia do meu aniversário!
Você pode fazer um bolo?
Rafael estaria completando quinze anos
de idade.
- Como
o tempo passa! Meu menino com quinze
anos!
Orgulhava-se Maria.
Maria começou a articular uma maneira de
providenciar o bolo. Durante o dia seria impossível, pois não existia tempo
hábil. Pensou em fazer o bolo à noite, entretanto, contava com o recebimento de
seu salário na empresa para providenciar o bolo e um presente para Rafael.
Naquele dia, véspera do aniversário de
Rafael, houve uma greve na empresa. Poucas pessoas conseguiram entrar para trabalhar.
Dentre essas pessoas, Maria conseguira. Como haviam poucos funcionários para o
trabalho, Maria teria de fazer um turno de doze horas para compensar a falta de
vários funcionários devido à greve. Maria não poderia recusar. Precisava do
emprego, mesmo sabendo que não iria receber seu salário naquele dia, pois a
empresa estava com dificuldades financeira, por isso a greve. Maria tinha que
trabalhar. Ligou para Dona Zilá dizendo que não poderia, naquele dia, executar
os serviços. Dona Zilá compreendeu e ainda lhe desejou sorte. Maria se
tranquilizou. Entretanto, durante o trabalho pesado daquele dia, lembrou-se do
bilhete de Rafael: - Como vou fazer o
bolo? Maria tentou de todas as maneiras possíveis: Ligou para alguns
parentes, conversou com poucos amigos, mas ninguém lhe ofereceu vantagem em
fazer o bolo. Maria então resolveu que, de alguma maneira, faria o bolo à noite
em sua casa. Naquela noite Maria chegou muito tarde em casa. Além do turno
puxado, teve ainda que fazer horas extras e quando chegou Rafael estava
dormindo.
Maria abriu a dispensa e verificou que
lhe faltava vários ingredientes para que pudesse fazer o bolo. Cansada, pensou,
pensou e acabou dormindo. No dia seguinte acordaria e explicaria a Rafael, mas
quando acordou, Rafael já havia saído. Não era comum Rafael dormir antes de sua
mãe chegar e nem sair de manhã, antes de abraçar sua mãe, mas Maria entendeu
que por ser seu aniversário, teria alguma comemoração por parte dos amigos.
Maria acordou se preparou e ao sair sentiu uma pontada no coração. Por alguns
segundos sentiu uma falta de ar, mas logo passou e Maria se dirigiu ao
trabalho. O dia estava corrido, muito trabalho, a greve ainda persistia e
quando foi por volta das onze horas da manhã um carro de polícia estacionou na empresa
em que Maria trabalhava:
- Bom
dia, estamos procurando por Maria da Conceição Santos, ela trabalha aqui?
Indagou o soldado militar.
Maria foi chamada numa sala, onde o
soldado militar lhe comunicou, secamente:
- Minha
senhora, aconteceu um acidente. Houve um atropelamento na avenida principal e
pelo que me consta, seu filho Rafael Miguel Santos foi atingido mortalmente por
um carro de passeio, que se evadiu do local. Sinto muito.
Maria não reagiu imediatamente. Ficou
parada, de olhos arregalados, hipnotizada, esperando que as lágrimas caíssem de
seu rosto. Alguns amigos do trabalho chegaram para poder consola-la.
- Maria
se desesperou quando lhe contaram.
Estava segurando o bilhete. O bilhete do
bolo de Rafael.
- Meu
Deus! Deve ter havido algum engano. Hoje é o aniversário de quinze anos do meu
filho Rafael. Eu estou correndo pra lá e pra cá para fazer o bolo que ele me
pediu. Olhem aqui o bilhete! Não me digam isso! Não pode ser!
Foi difícil fazer acreditar Maria sobre o
acontecido.
- Meu
filho! Eu quero meu filho!
Maria chorou muito, se desesperou muito,
e todos sentiram. Levaram-na até o hospital, mas no percurso até o necrotério
se perderam de Maria. Todos pensaram que Maria poderia cometer uma loucura.
Ficaram desesperados.
De repente Maria adentrou no necrotério
segurando um bolo em suas mãos e aos berros, dizia:
- Meu
filho, desculpe-me, perdão, eu só consegui o bolo agora, não partas antes de
provar o seu bolo, a mãe trouxe com carinho, não vá embora meu filho, tome aqui
o seu bolo!
Foi difícil controlar Maria até o
sepultamento do seu filho Rafael. Os dias se passaram. Maria foi acolhida na
Fraternidade Cristo Redentor onde Rafael fazia cursos e ajudava a cuidar de
crianças carentes. Ficou algum tempo sem trabalhar e aos cuidados da
Fraternidade. Quando se recuperou não tinha mais os empregos que a sustentava.
Os parentes sumiram e então Maria se fixou na Fraternidade Cristo redentor,
onde cuidava de várias crianças. As crianças amavam a Tia Maria!
Depois de alguns anos trabalhando na
Fraternidade, cuidando de crianças abandonadas, durante um almoço, um menino
bem pequenino cujo era chamado carinhosamente de “Tampinha” puxou o avental de
Maria e disse-lhe:
- Tia
Maria, amanhã é o meu aniversário, você faz um bolo pra mim? Faz Tia Maria?
Maria
ajoelhou-se e abraçou o pequenino Tampinha. Deu-lhe um longo beijo, chorou
muito e viu as lagrimas também caindo do rosto de Tampinha:
- Faço sim meu filho! A Tia vai lhe fazer um bolo bem bonito e gostoso e todos vamos cantar
parabéns para você!
E a festa de Tampinha foi muito bonita.
No momento em que todas as crianças estavam cantando parabéns a você, Maria, ou
Tia Maria foi apanhada num misto de
tristeza e alegria e se surpreendeu ainda mais quando Tampinha lhe abraçou e
beijou dizendo:
-Tia
Maria, eu te amo!
A senhora é a minha Mãe!
TRECHO DO LIVRO:
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS
TEXTO: FELIZ ANIVERSÁRIO!
AUTOR: ANTONIO AUGGUSTO JOÃO
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