02 julho 2016

LIVRO - O JARDIM SECRETO



O JARDIM SECRETO
       Ao acordar naquela manhã me vi diante do espelho com a barba por fazer. Num flash, fui e voltei ao me ver no reflexo do espero:
       - Era meu pai!
       Eu estava com a cara do meu pai.
       Até as pintas no rosto, o olhar…
       - Era meu pai!
       Meu pai havia falecido fazia mais de vinte anos, mas para sempre estará na minha mente e no meu coração. De barba feita, cara lavada, terno engomado, me dirigi para a garagem do prédio onde morava. O próximo passo seria encarar o trânsito até o escritório, onde me aguardavam os muitos problemas a resolver. O dia estava muito quente e me senti com uma dor de cabeça no mesmo momento em que lembrei-me que não tinha tomado o remédio. Talvez a dor de cabeça fosse pelo fato de não ter comido nem bebido nada no café da manhã, ou eu poderia estar com a pressão arterial alta, por não ter tomado o remédio.
       De qualquer forma, existia um problema que se tornaria maior quando alguém bateu na traseira do meu carro. Desci afoito e nervoso, o que naquele momento só iria me prejudicar. No carro detrás, tinha uma linda mulher, mas cego de raiva, não a enxerguei e soltei um palavrão. Logo, percebi que não seria possível arrumar a solução para um erro cometendo outro, e pedi desculpas para a linda mulher, mesmo estando errada. Resolvido aquele problema, cheguei no escritório e os outros “problemas” estavam exaltados, tanto que nem foi possível entrar em minha sala, pois os problemas estavam logo na recepção.
      Aquele dia foi tenso. Nem saí para almoçar. Na parte da tarde a dor de cabeça aumentou de intensidade aliada a dor de estomago. Eu havia associado às dores pela falta do remédio que deixei de tomar pela manhã e pelo fato de não poder ter ido almoçar. Estava sem apetite, com a boca seca e bebendo muita água.
      O problema pareceu ter sido agravado, pois comecei a sentir dores no peito, como se alguém estivesse espetando agulhas no meu peito.
      - O Senhor está se sentindo bem, Doutor Marques?
      - Sim Senhorita Débora! Acredito que sim!
A Senhorita Débora, recepcionista do escritório, foi a única pessoa que me viu fazendo caretas em função das dores.      Achei que voltando para casa, poderia tomar o remédio, me alimentar e descansar daquele dia tenso e por conseguinte, me curar das dores.
      Na volta para casa, no final da tarde, o trânsito estava igualmente intenso, como pela manhã. Lembrei-me que sempre deixava alguns comprimidos no porta luvas, mas da ultima vez que o carro tinha passado pelo lava rápido, alguém tirou e não recolocou. Eu tinha que voltar para casa logo, pois as dores estavam mais forte e o trânsito estava intenso, quando comecei a me desesperar. Parei num posto para comprar água, pois a minha sede estava excessiva. Havia um carro de polícia estacionado no posto quando pensei em pedir socorro.
       Até cheguei a fazer um sinal, de longe, mas depois que bebi a água me pareceu haver uma melhora e resolvi seguir para casa. Num relance, olhando para o retrovisor interno do carro, pareceu-me ver meu pai. Minha visão estava prejudicada e meu ângulo de visão estava diferente, torto, embaçado. Eu deveria mesmo estar muito parecido com meu pai, pois a imagem que vi no retrovisor interno era muito parecida com ele, ou comigo... O problema é que percebi um sorriso e eu estava na eminência de um choro, pois as dores voltaram a ser muito forte. Nunca imaginei que demoraria tanto para chegar em casa:
       - Não chego nunca em casa! Comentei com uma pessoa, num carro ao meu lado, parados no trânsito.
       - Essa cidade está cada vez mais tumultuada em função desse trânsito maluco!  Respondeu a pessoa ao lado.
       O jeito foi rezar. Sem socorro, sem remédio, só me restou rezar. Chamei pelo meu pai numa oração que acabara de fazer e novamente o vi no reflexo do espelho retrovisor interno do carro, e foi como se o meu pai estivesse me dizendo:
       - Vá logo a um hospital! Não venha agora ao “Jardim Secreto
Jardim Secreto! De onde minha imaginação tirou isso?
Se eu pegasse a próxima rua à direita, estaria bem próximo de um hospital, ou, se eu continuasse em frente, estaria bem próximo de minha casa.
       - Resolvi seguir para minha casa.
Olhei para o retrovisor interno e foi como se meu pai estivesse me repreendendo, dizendo:
       - Moleque teimoso!
E quando estava a poucos metros da minha casa, a dor no peito foi mais intensa e associei às dores de cabeça, de estomago, sede, estresse, a uma única palavra, ou melhor, a um fato que estava acontecendo naquele instante:
       - Infarto.
       Eu poderia estar tendo um infarto ao volante. Chamei por meu pai num grito e não o achei no retrovisor interno do carro, mas virei minha visão ao banco detrás do carro e vi lado a lado meu pai e minha mãe.
       Eles estavam com cara de poucos amigos, como se estivessem me dando a maior bronca. Eu gritei, por eles e pedi ajuda:
       - Pai, Mãe, eu não quero morrer!
       Eles viravam a cabeça e entendi que pediram que eu fizesse o retorno e fosse para o hospital:
       -Pai, Mãe, me ajudem! Peçam a Nossa Senhora para interceder!
       Minha mãe era muito religiosa. Lembro que quando eu e meus irmãos éramos pequenos, ela sempre rezada e a gente melhorava.
       A dor estava muito forte, minha visão prejudicada, mas eu consegui ver meu pai e minha mãe no banco detrás do carro, pedindo para que eu fosse para o hospital:
       - Não vai dar tempo mãe, não estou aguentando!
       Mãe, ô mãe, Pai! Me ajudem por favor! Eu não quero morrer.
       Um silêncio absurdo se identificou.
       Eu não ouvia mais nada, nem o barulho das buzinas dos carros pedindo para eu sair da frente, pois estava dirigindo bem devagar. E ao passar por um túnel, tudo se apagou, até, momentaneamente, minha memória. Olhei pela ultima vez no retrovisor interno e vi minha mãe chorando e meu pai com cara de muito bravo:
       - Vamos levá-lo para o Jardim Secreto. Alguém disse.
Foi a ultima coisa que minha consciência pode identificar até que tudo ficasse no escuro, como se todas as luzes do mundo tivessem se apagado. Eu fiquei inconsciente, mas podia sonhar, podia ver pessoas em pensamento. Tentava mover meu corpo, mas era como se eu não tivesse mais corpo, só pensamentos. Ouvi várias pessoas conversando, mas não podia identificar ninguém, e seja lá onde eu estava, sentia proteção, mesmo sem entender nada. Tinha a sensação de que estavam fazendo alguma coisa para o meu bem melhor. Eu me sentia tranquilo.
       Existia um jardim. Eu podia vê-lo. Era imenso, com pássaros coloridos voando próximo a um rio de águas cristalinas e azuis. Eu podia estar no jardim, sentir o jardim, rolar na grana e sentir que o mato tinha gosto de framboesa e que o dia parecia nunca terminar – Não existia noite.
       - Você está no Jardim Secreto!
       - Mãe? Cadê meu pai?
Eu não estava sentido mais dor alguma e alguém me indicava um lado de luzes amarelas e outro de luzes azuis. Minha mãe estava do lado amarelo e do lado azul eu vi alguém numa maca, ligado a um monte de fios e as pessoas que estavam em sua volta balançavam a cabeça em sinal negativo, de desistência
       - As sequelas são grandes doutor. A falta de oxigênio no cérebro o tornará uma pessoa vegetativa.      
Alguém acabará de receber um diagnóstico definitivo e não era muito bom. A silhueta daquele corpo me era familiar.
       Ao lado da maca existia um bilhete, ou uma receita médica, num papel timbrado onde no alto, na margem esquerda, se lia “Jardim Secreto”, como se Jardim Secreto fosse um hospital, onde mesmo com as letras muito distorcidas eu conseguia ler a “receita” que dizia:
       - Você pode escolher em vir para a luz azul, voltar para seu mundo e viver com várias sequelas ou seguir a luz amarela, onde você pode ver que sua mãe e seu pai estão te chamando, acenando, onde viverás de novo, como se estivesse num jardim, do qual você pode sentir e descrever.   
       Então foi me dado duas opções e a sensação, mesmo que momentânea, de saber onde eu estava:
       - Eu estava morto.
       O infarto tinha sido fulminante, pois mesmo os médicos do céu não puderam interceder, reverter, curar. Porém, naquele instante de minha consciência, ou inconsciência, eu estava mais vivo do que nunca. Senti que, o que pensamos ser a morte, pudesse ser realmente a nossa Vida Real.
       - Onde já se viu o mato ter gosto de framboesa, não existir noite... Eu estava no céu!   
       Eu poderia ter a chance de viver novamente, sem sequelas, do lado amarelo da luz, ainda mais, poderia rever e conviver com meu pai e minha mãe:
       - Vem logo menino!
       - Vem logo moleque!
       - Já vou pai! Já vou mãe!

UM DOS CAPÍTULOS DO LIVRO "JARDIM SECRETO"
LANÇAMENTO AGOSTO 2016
AUTOR: ANTONIO AUGGUSTO JOÃO

Nenhum comentário:

Postar um comentário