O JARDIM SECRETO
Ao acordar naquela manhã me vi diante do
espelho com a barba por fazer. Num flash, fui e voltei ao me ver no reflexo do
espero:
- Era
meu pai!
Eu estava com a cara do meu pai.
Até as pintas no rosto, o olhar…
- Era
meu pai!
Meu pai havia falecido fazia mais de
vinte anos, mas para sempre estará na minha mente e no meu coração. De barba
feita, cara lavada, terno engomado, me dirigi para a garagem do prédio onde
morava. O próximo passo seria encarar o trânsito até o escritório, onde me
aguardavam os muitos problemas a resolver. O dia estava muito quente e me senti
com uma dor de cabeça no mesmo momento em que lembrei-me que não tinha tomado o
remédio. Talvez a dor de cabeça fosse pelo fato de não ter comido nem bebido
nada no café da manhã, ou eu poderia estar com a pressão arterial alta, por não
ter tomado o remédio.
De qualquer forma, existia um problema
que se tornaria maior quando alguém bateu na traseira do meu carro. Desci afoito
e nervoso, o que naquele momento só iria me prejudicar. No carro detrás, tinha
uma linda mulher, mas cego de raiva, não a enxerguei e soltei um palavrão. Logo,
percebi que não seria possível arrumar a solução para um erro cometendo outro,
e pedi desculpas para a linda mulher, mesmo estando errada. Resolvido aquele
problema, cheguei no escritório e os outros “problemas” estavam exaltados,
tanto que nem foi possível entrar em minha sala, pois os problemas estavam logo
na recepção.
Aquele dia foi tenso. Nem saí para
almoçar. Na parte da tarde a dor de cabeça aumentou de intensidade aliada a dor
de estomago. Eu havia associado às dores pela falta do remédio que deixei de
tomar pela manhã e pelo fato de não poder ter ido almoçar. Estava sem apetite,
com a boca seca e bebendo muita água.
O problema pareceu ter sido agravado,
pois comecei a sentir dores no peito, como se alguém estivesse espetando
agulhas no meu peito.
- O
Senhor está se sentindo bem, Doutor Marques?
- Sim Senhorita Débora! Acredito que sim!
A
Senhorita Débora, recepcionista do escritório, foi a única pessoa que me viu
fazendo caretas em função das dores. Achei que voltando para casa, poderia
tomar o remédio, me alimentar e descansar daquele dia tenso e por conseguinte,
me curar das dores.
Na volta para casa, no final da tarde, o
trânsito estava igualmente intenso, como pela manhã. Lembrei-me que sempre
deixava alguns comprimidos no porta luvas, mas da ultima vez que o carro tinha
passado pelo lava rápido, alguém tirou e não recolocou. Eu tinha que voltar
para casa logo, pois as dores estavam mais forte e o trânsito estava intenso,
quando comecei a me desesperar. Parei num posto para comprar água, pois a minha
sede estava excessiva. Havia um carro de polícia estacionado no posto quando
pensei em pedir socorro.
Até cheguei a fazer um sinal, de longe,
mas depois que bebi a água me pareceu haver uma melhora e resolvi seguir para
casa. Num relance, olhando para o retrovisor interno do carro, pareceu-me ver
meu pai. Minha visão estava prejudicada e meu ângulo de visão estava diferente,
torto, embaçado. Eu deveria mesmo estar muito parecido com meu pai, pois a
imagem que vi no retrovisor interno era muito parecida com ele, ou comigo... O
problema é que percebi um sorriso e eu estava na eminência de um choro, pois as
dores voltaram a ser muito forte. Nunca imaginei que demoraria tanto para
chegar em casa:
- Não
chego nunca em casa! Comentei com uma pessoa, num carro ao meu lado,
parados no trânsito.
- Essa
cidade está cada vez mais tumultuada em função desse trânsito maluco! Respondeu a pessoa ao lado.
O jeito foi rezar. Sem socorro, sem
remédio, só me restou rezar. Chamei pelo meu pai numa oração que acabara de
fazer e novamente o vi no reflexo do espelho retrovisor interno do carro, e foi
como se o meu pai estivesse me dizendo:
- Vá
logo a um hospital! Não venha agora ao “Jardim
Secreto”
Jardim
Secreto! De onde minha imaginação tirou isso?
Se
eu pegasse a próxima rua à direita, estaria bem próximo de um hospital, ou, se
eu continuasse em frente, estaria bem próximo de minha casa.
- Resolvi
seguir para minha casa.
Olhei
para o retrovisor interno e foi como se meu pai estivesse me repreendendo,
dizendo:
- Moleque
teimoso!
E
quando estava a poucos metros da minha casa, a dor no peito foi mais intensa e
associei às dores de cabeça, de estomago, sede, estresse, a uma única palavra,
ou melhor, a um fato que estava acontecendo naquele instante:
- Infarto.
Eu poderia estar tendo um infarto ao
volante. Chamei por meu pai num grito e não o achei no retrovisor interno do
carro, mas virei minha visão ao banco detrás do carro e vi lado a lado meu pai
e minha mãe.
Eles estavam com cara de poucos amigos,
como se estivessem me dando a maior bronca. Eu gritei, por eles e pedi ajuda:
- Pai, Mãe, eu não quero morrer!
Eles viravam a cabeça e entendi que
pediram que eu fizesse o retorno e fosse para o hospital:
-Pai,
Mãe, me ajudem! Peçam a Nossa Senhora para interceder!
Minha mãe era muito religiosa. Lembro
que quando eu e meus irmãos éramos pequenos, ela sempre rezada e a gente
melhorava.
A dor estava muito forte, minha visão
prejudicada, mas eu consegui ver meu pai e minha mãe no banco detrás do carro,
pedindo para que eu fosse para o hospital:
- Não
vai dar tempo mãe, não estou aguentando!
Mãe, ô
mãe, Pai! Me ajudem por favor! Eu não quero morrer.
Um silêncio absurdo se identificou.
Eu não ouvia mais nada, nem o barulho
das buzinas dos carros pedindo para eu sair da frente, pois estava dirigindo
bem devagar. E ao passar por um túnel, tudo se apagou, até, momentaneamente,
minha memória. Olhei pela ultima vez no retrovisor interno e vi minha mãe
chorando e meu pai com cara de muito bravo:
- Vamos
levá-lo para o Jardim Secreto.
Alguém disse.
Foi a ultima coisa que
minha consciência pode identificar até que tudo ficasse no escuro, como se
todas as luzes do mundo tivessem se apagado. Eu fiquei inconsciente, mas podia
sonhar, podia ver pessoas em pensamento. Tentava mover meu corpo, mas era como
se eu não tivesse mais corpo, só pensamentos. Ouvi várias pessoas conversando,
mas não podia identificar ninguém, e seja lá onde eu estava, sentia proteção, mesmo
sem entender nada. Tinha a sensação de que estavam fazendo alguma coisa para o
meu bem melhor. Eu me sentia tranquilo.
Existia um jardim. Eu podia vê-lo. Era
imenso, com pássaros coloridos voando próximo a um rio de águas cristalinas e
azuis. Eu podia estar no jardim, sentir o jardim, rolar na grana e sentir que o
mato tinha gosto de framboesa e que o dia parecia nunca terminar – Não existia
noite.
- Você
está no Jardim Secreto!
- Mãe? Cadê meu pai?
Eu não estava sentido
mais dor alguma e alguém me indicava um lado de luzes amarelas e outro de luzes
azuis. Minha mãe estava do lado amarelo e do lado azul eu vi alguém numa maca,
ligado a um monte de fios e as pessoas que estavam em sua volta balançavam a
cabeça em sinal negativo, de desistência
- As
sequelas são grandes doutor. A falta de oxigênio no cérebro o tornará uma
pessoa vegetativa.
Alguém acabará de
receber um diagnóstico definitivo e não era muito bom. A silhueta daquele corpo
me era familiar.
Ao lado da maca existia um bilhete, ou
uma receita médica, num papel
timbrado onde no alto, na margem esquerda, se lia “Jardim Secreto”, como se
Jardim Secreto fosse um hospital, onde mesmo com as letras muito distorcidas eu
conseguia ler a “receita” que dizia:
- Você
pode escolher em vir para a luz azul, voltar para seu mundo e viver com várias
sequelas ou seguir a luz amarela, onde você pode ver que sua mãe e seu pai estão
te chamando, acenando, onde viverás de novo, como se estivesse num jardim, do
qual você pode sentir e descrever.
Então foi me dado duas opções e a sensação, mesmo
que momentânea, de saber onde eu estava:
- Eu
estava morto.
O infarto tinha sido fulminante, pois
mesmo os médicos do céu não puderam interceder, reverter, curar. Porém, naquele
instante de minha consciência, ou inconsciência, eu estava mais vivo do que
nunca. Senti que, o que pensamos ser a morte, pudesse ser realmente a nossa Vida Real.
- Onde
já se viu o mato ter gosto de framboesa, não existir noite... Eu estava no céu!
Eu poderia ter a chance de viver
novamente, sem sequelas, do lado amarelo da luz, ainda mais, poderia rever e conviver
com meu pai e minha mãe:
- Vem
logo menino!
- Vem
logo moleque!
- Já
vou pai! Já vou mãe!
UM DOS CAPÍTULOS DO LIVRO "JARDIM SECRETO"
LANÇAMENTO AGOSTO 2016
AUTOR: ANTONIO AUGGUSTO JOÃO
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