... Da cabeceira da cama pode tirar o teu retrato, não
vou querer recordar. Ao passar pela ultima vez no jardim que um dia brotaram
rosas coloridas, não deixe rastros sem saídas, não pise fundo nas terras
negras, pois vem de lá toda a inspiração para meus versos. Tome muito cuidado
com os buracos que você mesma deixou para que eu pudesse cair em suas
armadilhas. Ao sair de casa, não derrube o que estiver pela frente, não destrua
o que já está destruído e nem bata a porta com a força da sua indignação, pois
eu não estou vendo a tua ira. Passando pela sala de estar junto à mesa de
jantar, não se esqueça de recolher as rosas sobre a mesa... Elas não vivem
mais... Ficaram murchas, [cresceram-se em espinhos], secaram com o tempo,
morreram como o amor que um dia eu e você pensamos ter existido. Eu não sou um homem perfeito nem o
filho preferido de Deus. Eu tenho paciência e faço todos os dias o exercício do
amor. Não mostro a Deus o tamanho dos meus problemas e sim aos meus problemas o
tamanho de Deus. Já nos perdoamos mais de setenta vezes sete, mas o remorso
quando retorna vem como a força de um furacão e uma palavra mal dita pode
incitar novamente à ira de nós dois. Naquela tarde eu
estava terminando de escrever um romance.
Pra variar, escrevia sobre dor, tristeza, desilusão... Desamor. É fácil
escrever sobre nossas dores. Difícil é encontrar um final feliz, pois a
felicidade quando é plena e verdadeira, advém de uma dor. Eu não estava
esperando por ninguém é quando o interfone tocou, achei que foi por engano, mas
a outra voz, do outro lado da linha, queria muito falar comigo. - Eu Preciso falar com você. Pode me atender? Eu bem sabia de quem era a voz do outro lado da linha, mas não
queria acreditar. Logo pensei em discussões, novas brigas, ofensas... Fazia
quase dois anos que eu não a via. Estava bem mais magra, olheiras profundas e
cor pálida: Estava acabada. Pensei que de certo vinha conversar sobre algo que
ainda tínhamos em comum, mas poderia ter me telefonado. Aí é que vem a
retórica, a oportunidade de dizer a coisa certa. Também vem a vingança,
oportunidade de regressar, de reverter o prejuízo da última briga, mas sou capaz
de amar o mais ferrenho inimigo, pois aprendi com a vida e talvez seja por isso
que sofro com isso. De certo que não lhe disse que tinha prazer em revê-la,
porém ouvi paciente a sua queixa. Realmente ela estava precisando de ajuda e se
me procurou, acreditei que teve várias portas fechadas e aqueles que se diziam
amigos e foram contra mim, a deixaram na mão, sozinha na contra mão da vida. - Sua situação é muito delicada. Fazia tempo que não
nos olhávamos nos olhos. Pude ver a mulher que conheci, sem os vícios mundanos,
sem o orgulho de quem não conquistou nada e vivia pisando nas pessoas. Como já
disse, longe de eu ser o filho preferido de Deus, pois eu também tenho os meus
pecados e vai chegar uma hora que vou ter que ser perdoado. A vida inteira tive
o coração mole e diante de mim existia uma pessoa pedindo ajuda. É claro que não neguei, não virei às costas,
não bati a porta e nem carreguei comigo as rosas sobre a mesa, pois as rego
todas as manhãs esperando dias melhores. Foi difícil a
reconstrução de seu problema. Dispus-me a ajudar sem piedade, sem desejar algo
em troca... Ajudei porque o meu espírito é assim, fraterno, bondoso e caridoso. Porém, a vida nos
prega cada peça, nos decepcionamos tanto com as pessoas, mas o que fica gravado
sempre é a nossa honestidade e a nossa consciência. Foi só a situação começar a
se organizar, com a minha máxima ajuda, que a discórdia imperou novamente. Os
olhos cresceram, os saltos também...E a prepotência votou
a reinar e com isso vieram novamente as brigas, as implicâncias e
discordâncias, mas eu sou compreensivo e sempre soube a hora de sair de cena e
deixar o barco navegar sem que eu esteja no timão. Mas a vida continua e o
barco segue... E se por acaso, mais uma vez, ela bater à minha porta pedindo
socorro, é claro que vou abrir a porta, pois o exercício do perdão não tem fim
e é por isso que sigo a instrução do criador em perdoar setenta vezes sete. Contudo, sei que a
vida pode me colocar do outro lado e eu tenha que bater à porta dela. Se isso
acontecer não sei se serei bem recebido, da mesma forma que a recebi. Realmente
sou sincero em dizer que não tenho certeza. Talvez o meu orgulho me impeça de
procura-la, em qualquer circunstância, mesmo se for a última pessoa da face da
terra. Se eu tiver que aceitá-la, acredito que minha história jamais irá
terminar, pois mesmo que eu desapareça, existirão vários rastros para que
outras pessoas possam me encontrar. Mas, se por acaso eu me perder e estiver na
beira do abismo, pedindo que alguém me estenda a mão, sei que ela surgirá para
me empurrar ribanceira abaixo, pois acredito que seja a única pessoa nesta vida
que deseja o “melhor” para mim!
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