Se fosse a tempos
passados, Bryan não teria a mesma acessibilidade que os dias atuais proporcionam.
O acidente sofrido há três anos ainda lhe proporcionava traumas, além de ter
tido a desagradável notícia de ter que ficar para o resto da vida numa cadeira
de rodas. Bryan custou a se convencer que sua vida dali por diante sofreria uma
adaptação. O inconformismo o impediu de se adaptar mais rápido. Teve sessões de
terapia e fisioterapia para respectivamente tirar o trauma do acidente e tentar
recuperar os movimentos das pernas. Somente no último ano se dedicou fielmente
a se recuperar e iniciar uma nova vida com as adaptações necessárias. Hoje em
dia Bryan faz noventa por cento de suas atividades independentemente da ajuda
de outras pessoas, inclusive o carro adaptável que usa para sair e trabalhar no
cartório de sua cidade como escrevente. Bryan tinha uma rotina diária muito completa.
Pela manhã fazia fisioterapia e natação, depois ia para o trabalho dirigindo
seu carro adaptado. Na hora do almoço gostava de descansar numa praça que tinha
em frente ao cartório e nos momentos de descanso, relaxava e gostava muito de
ler livros de autoajuda. À tarde, quando
terminava seu período de trabalho no cartório, Bryan tinha, de dois em dois
dias, sessões de terapia que o fazia se sentir muito bem. No começo da noite
chegava em casa e gostava muito de ouvir música clássica e assistir filmes de
suspense, principalmente os de Brian de Palma e Alfred Hitchcock. Foi num dia
de verão quando Bryan, após o almoço, dirigiu-se até a praça para começar a ler
o livro Janela Indiscreta. Bryan estava muito feliz àquela época. Ao seu lado,
sentou-se uma mulher. Bem vestida, cabelos longos com uma leve maquiagem: - Posso ficar aqui? Perguntou Bryan. - Claro! Respondeu a mulher. Bryan começou a ler
seu livro enquanto a mulher, jovem, aparentando a mesma idade de Bryan,
praticamente não se moveu. De vez em quando esfregava as mãos e na maioria das
vezes parecia que estava olhando para o céu. Assim que deu seu horário, Bryan
se moveu com a cadeira de rodas e se dirigiu de volta ao trabalho: - Até
logo! Tenha uma boa tarde. Despediu-se Bryan. A mulher apenas fez um gesto com as mãos, como um sinal de tchau,
sem ao menos virar a cabeça. Os dias que se sucederam a esse acontecimento com
a mulher na praça foram muitos intensos no trabalho de Bryan, tanto que não
teve mais tempo de relaxar na praça após seu almoço. Entretanto, da janela de
sua sala que dava de frente para a praça, via que todos os dias, pontualmente
no mesmo horário, aquela mulher estava na praça, sentada no mesmo banco e ficava
sem se mexer, olhando para o infinito, como se fosse uma estátua. Bryan nunca a
via chegando. Sempre que ia a praça, a mulher já estava sentada, imóvel no
mesmo banco. As coisas se acalmaram no cartório e Bryan novamente pode ter
tempo de descansar na praça após seu almoço.
Daquela vez ele estava lendo o livro Vestida para Matar. Quando Bryan
chegou a mulher já estava sentada. Um sol forte batia no rosto das pessoas que
descansavam ali e foi então que Bryan percebeu aquela mulher usando óculos de
sol. - Boa
tarde! Meu nome é Bryan e o seu?- Meu nome é Andréa! Andréa era deficiente
visual. Bryan não tinha percebido das outras vezes que a viu na praça. Bryan e
Andréa passaram a se encontrar na praça, todos os dias após o almoço. Andréa
morava bem próximo. Costumava sentar-se ali durante os dias de sol para
recordar-se do cheiro das plantas, do canto dos pássaros e de sua infância,
quando no lugar da praça existia um campo onde os adolescentes se reuniam para
fazer as brincadeiras da época. Aconteceu que aos dezesseis anos, Andréa foi
diagnosticada com um tumor no cérebro. Realizou onze cirurgias dos dezesseis
aos vinte e um anos de idade. O tumor sumia e reaparecia. Aos vinte e dois anos
de idade, Andréa recebeu a pior notícia de sua vida: O tumor foi confirmado
como maligno e ela perdeu a visão. De um momento para outro, Andréa deixou de
enxergar a vida, os pássaros, as rosas no jardim, a praça... E tudo mais, mas
como ela disse a Bryan, passou a enxergar a Deus. Os médicos disseram-na que o
tumor não poderia mais crescer. Se assim o fizesse, Andréa estaria morta.
Então, passou a tomar uma série de medicações para que o tumor não pudesse
crescer e ela pudesse continuar vivendo. Perdeu os cabelos, se recolheu em seu
quarto e só aceitou frequentar a praça após o falecimento de seu pai, pois ele
a incentivava a sentir a natureza, mesmo que as luzes estivessem apagadas.
Assim, Andréa passou a viver todos os dias como se fosse o último e a praça era
um reduto sagrado onde ela sentia a esperança de continuar vivendo. Os dias
foram se passando e quando Bryan e Andréa se encontravam na praça, Bryan lia os
livros em voz alta e interpretava os personagens com vozes diferentes. Eles se
divertiam muito, ao mesmo tempo em que sentiam a necessidade de ficarem mais
juntos. Bryan também contou
sua história para Andréa, até o ponto em que ficou definitivamente numa cadeira
de rodas. Bryan passou a frequentar a casa de Andréa e juntos dividiam tantas
sensações que serviam de estímulo para que deixassem seus problemas de lado e
passassem a viver a vida verdadeiramente, não se importando se tudo pudesse
acabar tão de repente que não pudessem se beijar: - A sensação de estar em teus braços é única!
O contato com sua pele, suas carícias seu bom humor e suas gargalhadas são
combustíveis para eu esquecer que existe dentro de mim algo que possa me
aniquilar no próximo dia, na próxima hora, no próximo minuto. E nesse próximo
minuto eu quero te beijar, te abraçar, sentir o calor do teu corpo... Eu quero
te namorar! De todos os remédios, ambos encontraram
aquele que estavam procurando: O amor. E o amor os completou e fazia de suas
"novas vidas" um novo
recomeço: - Acordar todas as manhãs, saber que estou
viva e sentir você ao meu lado é mais uma prova de que Deus existe e que Ele me
levou até a praça para te encontrar! Apesar de estarem morando juntos, Bryan
e Andréa nunca deixaram de frequentar a praça. A praça para ambos era um lugar
sagrado e a chamavam de céu. Os sábados pela manhã era um momento sagrado, dia
em que eles mais gostavam de estar na praça. Bryan sempre ia à frente. Depois
de alguns minutos Andréa chegava. Essa atitude era como se fosse um ritual e
ambos se sentiam bem com esse procedimento. Quando Andréa chegava, Bryan sempre
dizia: - Bom dia amor! Você chegou! Eu estava com
saudades! Andréa sorria, sentavam-se, se abraçavam, se beijavam e enquanto
Bryan lia os livros, Andréa sentia o perfume das flores que Bryan sempre colhia
antecipadamente. Até que chegou o
inverno. Os sábados pela manhã ficaram diferentes. Com as geadas, as flores não
exalavam mais seu perfume e o sol se escondia, tornando as manhãs cinzentas. Na
noite anterior, Bryan percebeu que Andréa tremia muito. Levantou-se no meio da
noite e lhe serviu um chá bem quente. - Está tudo bem querida! Andréa não respondeu
e Bryan deduziu que estivesse cansada, dormindo. O dia amanheceu e Bryan saiu
na frente, como fazia em todas as manhãs de sábado. Não existiam flores no
jardim e nem o sol estava brilhando entre as nuvens. Antes de sair Bryan pegou
alguns livros e um agasalho a mais, pois estava muito frio. Andréa não se
importava com o frio, sabia que Bryan se sentia bem quando estava na praça e
ela também. - Na praça, estamos no céu querida! Bryan sentou-se e ficou aguardando por
Andréa. Separou alguns trechos dos livros que iria ler para ela. Notou que ela
estava demorando mais do que o normal para vir à praça. Pensou ser em função
do frio. Ameaçou retornar para buscá-la, mas lembrou de que sua amada gostava
de vir sozinha. Estava acostumada com o caminho que fazia e que não a
prejudicava, mesmo sendo deficiente visual. Bryan ficou muito preocupado com o
atraso de Andréa e resolveu voltar para casa. Naquela manhã sentiu uma angústia
que há muito tempo não sentia e até soltou um palavrão quando sua cadeira de
rodas enroscou no portão da casa. - Querida! Querida! Bryan não esperou que chegasse e antes começou a chamar por
Andréa. Ao chegar ao quarto da casa, viu Andréa imóvel, coberta da mesma
maneira em que estava quando Bryan acordou pela manhã. - Querida! Querida! Andréa não respondia
e não respondeu. Bryan voltou-se na cama para abraça lá e sentiu sua amada
muito fria. Cobriu-a com mais um cobertor, foi até a cozinha, bebeu um café bem
forte e ligou para o resgate. Andréa viajou para o “outro céu”, longe da praça.
Alguns dias se passaram. Bryan continuou com sua rotina de trabalho no
cartório, e no descanso do almoço voltava-se sempre à praça para conversar com
Andréa. Conversava através do perfume das flores, do cheiro do mato, pelas
frases dos livros que Andréa mais gostava, mesmo sem o sol que se escondia
entre as nuvens cinza para chorar de tristeza, enquanto a garoa se confundia
com as lágrimas que nunca cessavam em cair dos olhos de Bryan. “Ao seu lado descobri que entre o sonho e a
realidade, existe um espaço chamado felicidade, e para que a minha felicidade
se torne realidade, preciso estar ao seu lado.”
TRECHO DO LIVRO...
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